Sou um campeão de perdas. Já perdi a infância, toda a juventude, parte da saúde que herdei da idade madura. Já perdi pai, mãe, esposa, filha, irmãos e sobrinhos. Alguns dos meus amigos já se foram, alguns mesmo antes de morrer. Muitos sonhos inúteis também foram jogados à água. Muita presunção, muitos desejos descabidos.
Caronte (Charon) era o barqueiro dos mortos na mitologia grega |
De nada adiantou tanto esforço em construir, juntar, acumular pedras apanhadas nos caminhos, tudo lastro inútil, destinado ao fundo do rio. Inúteis as centenas de resmas de papel desperdiçadas em dissertação, tese, artigos, poemas, contos, crônicas, romances. Tudo isto será jogado às águas antes do barco aportar na outra margem.
A esta altura da vida, meu barco está quase vazio. Até mesmo a lembrança de certas coisas já está se perdendo. Luto em manter um mínimo de fios de memória para poder saber quem eu sou ao chegar ao fim desta viagem. Pois terei ao menos de dizer meu nome ao barqueiro do outro barco que me espera para outra travessia. E é bom que eu chegue leve, pois os braços de Caronte estão fatigados com o eterno trabalho de conduzir seus passageiros pelo rio onde se perde de vez toda a memória.
Talvez você não tenha se dado conta ainda... Há muito, você se perdeu...
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